Rufai: o príncipe que não quis ser rei

O futebol português tem vários traços de aristocracia. Há muito que é o desporto-rei no país, dominando a comunicação social e muitas das conversas. Eusébio será sempre o eterno monarca dos jogadores, onde também o clero se faz representar pelo seu Sumo Pontífice, Pinto da Costa. No Braga, Farense e Benfica actuou em tempos um nobre defesa central chamado King. Recentemente, Villas-Boas, jovem com sangue e coração azul, conquistou Portugal e a Europa com a audácia de um cavaleiro.

Mas enquanto estes e outros exemplos de fidalguia do futebol nacional resultaram de extraordinários desempenhos, houve um caso de verdadeira realeza nos relvados lusos. Peter Rufai nasceu príncipe mas preferiu as balizas a sentar-se no trono. Filho do rei de Idimu, região tribal próxima da capital da Nigéria, passou por Faro enquanto herdeiro da coroa.

O jogador assinou pelo Farense em 94, ano em que ajudou a sua selecção a vencer a Taça das Nações Africanas, na Tunísia. Foi o primeiro guarda-redes nigeriano a emigrar e até chegar a Portugal alinhou em clubes no Benim, na Bélgica e na Holanda, onde aliou o futebol aos estudos universitários. No Algarve, o príncipe foi fundamental para o apuramento histórico dos farenses para a Taça UEFA, sofrendo 38 golos em 34 jogos. A orientá-lo teve a sábia ira de Paco Fortes no lugar de mordomias e obrigações reais.

Na verdade, a família do jogador não gostava de futebol e na altura tentava envolvê-lo nas tarefas monárquicas. “Eles queriam que eu voltasse a casa e ficasse ali sem fazer nada, passando a manhã, a tarde e a noite a comer e, de vez em quando, a orientar os negócios familiares”, afirmou o guarda-redes numa entrevista ao El País. Apesar de não ser o primogénito entre oito irmãos, toda a família agia como se fosse. Já actuava no Desportivo da Corunha quando o pai faleceu e o clube autorizou-o a viajar até Idimu para discutir a sucessão. Podia ter sido rei, mas fez tudo o que pôde para o evitar.

Peter registou 65 jogos pela selecção da Nigéria, com duas participações em mundiais (94 e 98) onde sofreu golos de jogadores como Raul, Baggio ou Maradona. Vários rumores associaram as chamadas à equipa das Super Águias ao seu honrado título, mas em vez de ser favorecido o jogador foi até chantageado. Antes do início do campeonato em França, já pensava na reforma e planeava férias em Cuba, mas as lesões dos principais guarda-redes nigerianos levaram o seleccionador Bora Milutinovic a chamá-lo. O sérvio ameaçou-o que se não jogasse a sua família teria problemas políticos na Nigéria.

Na época 99/00, Peter Rufai terminou a carreira no Gil Vicente com 37 anos. Actualmente dirige uma equipa que fundou na Bélgica para ajudar jogadores sem clube. Um trabalho honrado, digno de um rei.

 

Dados da carreira